terça-feira, 8 de fevereiro de 2011

"Vem o senhor", Rosa Lobato Faria.


Choro por ti suspensa entre dois mundos. Acorrentada a ti por laços de sangue e vento. Este é o pranto de Maria Telles, que chora não as próprias lágrimas, mas as tuas. Não a sua vida na morte, mas a tua morte em vida.

Agora, tu não sabes, sou o pão que comes, a água que bebes, o ar que respiras. Sou as tuas mãos e os teus pés e, se te sentes cansado, é porque sempre cavalgo nas tuas costas, abraçada a ti, com dedos de ferro cravados no teu peito, falo-te ao ouvido, sou a tua voz e o teu pensamento, dissolvida em ti, o único paraíso que sei.

Se me mataste, foi para melhor viver em ti, como tanto desejava nos meus dias de carne, nos dias em que pressentia os teus passos no silêncio do claustro, e amaciava o leito e alisava o linho dos lençóis e punha o escabelo a jeito, e trocava as toalhas e desatava as vestes e abria o corpo e sustinha o coração no peito, e dizia, num sopro de exaltação e febre,

Benta, vem o senhor.


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