sábado, 9 de março de 2019

As Portuguesas mais desconhecidas de sempre. Dona Maria França.

A ideia era colocar isto ontem, Dia Internacional da Mulher e rebéubéu pardais ao ninho, vamos dar florzinhas e combinar jantaradas com strippers, sendo que depois há outras que rangem os dentes mentalmente, porque sabem que, há 100 anos atrás, a senhora do banco que recebeu a flor havia de estar em casa a lavar as ceroulas do marido e nem pensar em trabalhar num banco, vamos ver se o ordenado é justo, pelo menos, e que em 1908 uma data de mães de família, irmãs, filhas, avós de alguém, morreram queimadas num edifício porque se atreveram a pedir direitos no trabalho escravo a que estavam sujeitas, e alguém que ganhou um karma pesadíssimo se lembrou de as fechar lá dentro.

Adiante, ouvi dizer que defender os direitos daqueles que tem menos é feminismo, e o feminismo, nos dias de hoje, é pecado maior que o feminicídio, pelo menos nas netes.

Ora, aqui esta que vos escreve já anda nisto há uns anos e tem ali uma data de papelada, que não é muita, mas é o que se consegue arranjar, acerca das figuras femininas da nossa História, com especial carinho pelas medievais, sobre as quais menos informação se consegue ainda, alas, e uma pessoa chega ao ponto em que fica um bocado indecisa com o que meter aqui.

Há uma pesquisa que me tem andado a moer os neurónios nos últimos anos: a de uma Dama Enfermeira na Grande Guerra (A Primeira), que nasceu na minha humilde cidade.

Quando estava a fazer a pesquisa genealógica na minha família, a aparar as pontas dos bisavós e tio-bisavós (antes as bisavós e as tias-bisavós, eu sou assim de feminista!) dessa época, apanhei a listagem de Torreenses que foram para as trincheiras.

Claro que, na listagem - muito mais pequena - de cargos superiores de Torreenses, levantei as orelhas quando vi o nome de uma mulher.

Como é que raio temos uma mulher, em 1916, que foi para as trincheiras como enfermeira, que saiu da Cruz Vermelha para integrar o Corpo Expedicionário Português como Alferes para poder ir para a Frente, que foi condecorada com a Ordem de Cristo por competência profissional, zelo, abnegação e dedicação, que foi a que cumpriu 648 dias de serviço e que ficou lá mais tempo, e não temos a porra de uma rua com o nome dela ou uma placa com a memória, ou a porcaria de uma estátua numa praceta, como fizeram aos outros?

Vai daí, meti-me a fazer de detective genealógico.

Tive algum sucesso, não é para me gabar, mas sou boa nisto.

Descobri a certidão de nascimento, a do irmão (Dr. Carlos França, bacteriologista, esse sim, com uma rua em Torres Vedras e uma placa comemorativa em Colares, onde viveu), a rua onde viveu, a certidão de casamento dos pais, a de casamento do irmão, uma data de informação acerca dos ascendentes da cunhada ( desde que vieram de Itália para cantar ópera no São Carlos em 1700 e troca o passo - descendentes tenho até aos anos 70, até consegui contactar com uma ex-mulher de um descendente via facebook, mas puff! - e se quiserem informação acerca dos Mazziotti de Colares, é só mandar uma mensagem, que é para esta papelada toda ter alguma utilidade, pelo menos), a ficha de CEP de D. Maria e das outras Damas Enfermeiras, umas quantas fotos, de um álbum fantástico de uma delas que consta do Arquivo da Cruz Vermelha, mas não consegui encontrar mais nada.

Tipo, nada!

Nem certidão de algum casamento (ela tinha 37 anos em 1916, levou uma vida independente e era dona do seu nariz, para casar depois de regressar, era mesmo preciso apaixonar-se, não devia ter nenhum desejo de coser meias a maridos), nem de óbito, nem cartas entre as enfermeiras, nem para onde poderá ter ido, nem registos em cemitérios, nem se terá ido viver com família, e com quem,  se exerceu enfermagem  e onde, se exerceu outra profissão e onde, nada, mesmo nada.

Sei que regressou em Julho de 1919, via terrestre, mas perdi o rasto.

Por enquanto.

Cada vez que dou uma vista de olhos aos apontamento, tenho ideias - cada vez mais bizarras, admito - do que poderá ter feito ou de onde poderá ter ido.

E não desisto enquanto não souber a história dela toda, e hei-de ter uma porcaria de uma placa comemorativa dela em Torres Vedras, e hei-de estar, toda orgulhosa, na inauguração!


As Damas Enfermeiras desta fotografia pediram para sair da Cruz Vermelha Portuguesa e para ser integradas no CEP, para poderem ir para a Frente. Ficaram no Hospital de Sangue nº 8, em Herbelles.
Nesta foto, foram formalmente inseridas no grupo militar. Há uma outra foto em que estão a assinar esta formalização.


Estas são as que foram condecoradas com a Ordem de Cristo. D. Maria França é a que está mais à direita. Um pormenor, o uso daquela bengala de apoio não era necessidade, mas estatuto, e conferido apenas aos homens que, neste caso, o foi também a algumas senhoras.




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