Em termos básicos, a Idade Média Portuguesa é cheia de pequenos acontecimentos quotidianos perdidos no esquecimento, mas o simples facto de se nascer mulher na Idade Média é sêlo de garantia para se ser invisível.
As mulheres reais, quase todas, enfim, nasceram para dar à luz a herdeiros, sendo que há umas quantas referências a doações ou lendas, mas quase só existiram para se saber que o rei não sei das quantas foi filho do rei X e da rainha Y, e não foi produção espontânea.
Quando tinham vontades ou opiniões, eram apelidadas de bruxas pelos escritores da História da altura, homens e, geralmente, com a função de monges: virgens, inexperientes e rebarbados, cof cof cof...
A nossa primeira rainha oficial foi D. Mahaut de Sabóia, chamada Mafalda, Matilde ou, como nos textos da altura, Mahalda, por falta de sinónimo na Língua Portuguesa.
Terá nascido em 1125, na zona de Sabóia e Piemonte, e era uma das filhas de Amedéé III , aficionado das cruzadas, e de D. Mahaut de Albon, Condes de Sabóia, Piemonte e Maurienne, que engloba os actuais Sabóia, na França, e Piemonte, em Itália.
Primeira rainha, que casou, obviamente, com D. Afonso Henriques. Crê-se que esta escolha possa ter sido algo polémica, mas muito lógica para os desejos de D. Afonso Henriques. Escolheu uma filha de Condes, o que significaria que era alguém de uma condição inferior mas, na verdade, ela era sobrinha do Rei de França, uma potência da época, e vinda de um reino distante. Em suma, D. Afonso Henriques escolheu alguém que não lhe ia dar dor de cabeça por ser 1) prima direita e 2) herdeira de um dos Reinos da Península Ibérica que estivesse à espera de oportunidade para deitar a unha ao recém formado reino de Portugal. E ter um sogro freak das Cruzadas era afirmar-se junto do Papa como inimigo dos Infiéis, que era requisito obrigatório para se estar na elite europeia.
O contrato de casamento foi elaborado quando ela tinha 12 anos e ele 30, mas o casamento só foi celebrado 9 anos depois. Obviamente, D. Afonos Henriques já se tinha afeiçoado anteriormente e tinha dois filhos de D. Chamôa Gomes, que era descendente dos Trava, viúva com 3 filhos, freira e, provavelmente, com uma vida particular bastante interessante; mas D. Afonso Henriques não podia casar com ela por motivos óbvios, a bem da independência do reino.
Também o conceito de casamento real era diferente. Até ainda há poucos anos se seguiam certas regras rígidas: o príncipe Harry escolher uma mulher mais velha e divorciada foi uma coisa impossível para o tio-bisavô dele, que foi obrigado a abdicar para casar, mas na Idade Média chegava a extremos.
Ninguém casava por amor. O casamento era um contrato comercial, para união de fortunas, territórios ou influências, e os noivos quase só se conheciam na data do casamento. Faz um bocado de confusão às nossas cabeças ver o conceito de relações na Idade Média com a lupa dos dias de hoje e ficamos escandalizados com a quantidade de reis que mijavam tantas vezes fora do penico mas, na altura, o casamento era um contrato, sexo era sexo, e o amor era uma coisa estranha, até porque as pessoas não tinham o hábito de se lavar na altura, e fazer uma tapeçaria de 8 por 8 para tapar aquela parede da alcáçova era mais excitante do que ver D. Afonso Henriques de ceroulas ("Oh, sim, 8 por 8, já estou a revirar os olhos de excitação!").
Em 12 anos de casamento, D. Afonso e D. Mahaut tiveram, pelo menos, 7 filhos, embora apenas 3 tenham chegado a adultos: Henrique (n.1147, f. 1155), Urraca (n.1148, f. 1211), Teresa (n. 1151, f. 1218), Mafalda (n.1153, f. 1162), Martinho, depois Sancho (n. 1154, f. 1211), João (n.1156, f. 1163) e Sancha (n. 24/Setembro/1157, f. 1167). Terão vivido no território da época, a norte do Tejo, mas provavelmente na zona entre o Douro e o Minho, algumas vezes em Coimbra e ao longo do rio Tejo, essencial para fortalecer a fronteira.
D. Mahaut criou os filhos ilegítimos do rei junto com os seus, prática comum para a época. D. Afonso Henriques teve mais filhos depois de enviuvar (ainda viveu mais 27 anos), mas não durante o casamento, o que dá a entender que era respeitador e que se terá portado bem.
Da personalidade da rainha, o pouco que se escreveu foi ou pela pêna dos escrivãos reais, que simplesmente a mencionam, ou um religioso de Coimbra, um tal de Padre Teotónio, que nunca tinha privado com um exemplar do sexo feminino na vida dele, e que a tomou de ponta porque ela embicou que havia de visitar os claustros, e ele dizia que não podia ser minha senhora, e apareceram umas quantas histórias em que ela era frustrada, infeliz, mal humorada e levava porrada do marido, e já se sabe que a Bíblia diz que as mulheres são enviadas pelo Demo. Isto são só teorias, é claro...
Outros relatos referem-se a doações e obras de caridade e religiosas, o habitual para as senhoras da classe alta da época, e uma lenda em que ela ia a passar no Marco e que lhe deram uma caninha para beber a água do rio sem tirar os costados da carroça e ela terá dito "guardem a cana, porque às vezes a cana é boa" e pimbas, Marco de Canavezes!
Morreu com apenas 32 anos (o que era óptimo para a época!), a 3 de Dezembro de 1157, alguns dias depois do parto da Infanta D. Sancha, em Coimbra, e foi sepultada em Santa Cruz, onde se foi juntar D. Afonso Henriques alguns anos depois.
Se ter filhos nos dias de hoje já não é fácil, em alguns casos, na Idade Média era uma roleta russa que nem sempre acabava bem, e era causa de morte de muitas mulheres.
Só alguns séculos mais tarde recebemos na nossa Casa Real outro elemento da Casa Real de Sabóia, D. Maria Pia de Sabóia, nascida em Turim em 16 de Outubro de 1847 e que casou com o Rei D. Luís.